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segunda-feira, 19 de abril de 2010

Projetos e compositores


O principal objetivo das novas rodas de samba de São Paulo, chamadas de projetos culturais, é retomar e renovar o samba de raiz. São vários projetos, na capital, que surgem há mais de dez anos; eles crescem e revelam, a cada encontro, novos compositores. Um deles é “A Comunidade Samba da Vela”, que, inicialmente, era formada por quatro jovens compositores e hoje reúne cerca de 200 pessoas toda segunda-feira na Casa de Cultura Santo Amaro, em Santo Amaro, zona sul de São Paulo. Os encontros acontecem desde 2000, com cavaquinho, pandeiro, surdo, tamborim, e o caderno distribuído para quem vai prestigiar. Acende-se a vela e o samba começa, é um espaço para apresentar novas criações. E para fazer jus ao enorme cartaz pregado na parede que diz “Aqui o silêncio é uma prece”, os admiradores do samba escutam e cantam com grande concentração à apresentação das novas músicas.

De acordo com José Marilton da Cruz, 49, integrante e um dos fundadores do Samba da Vela, mais conhecido como Chapinha, cerca de 300 compositores já mostraram seu trabalho na roda. E Chapinha acrescenta: “O samba de raiz andou por um tempo muito esquecido. E ai veio o samba da vela para dar continuidade nesse samba que estava muito popular, com muito modismo. E a escola de Samba já não é mais espaço para compositor faz tempo”. Da mesma forma que o Samba da Vela, o Samba de Todos os Tempos acontece em Santo Amaro, mas reúne compositores, músicos e admiradores de toda a cidade, do Capão Redondo, Mogi, Itaim Paulista, Jardim Ângela. Marquinho Dikuã, 33, integrante e um dos idealizadores do projeto Samba de Todos os Tempos, que mora na zona leste da capital acha que hoje o compositor encontra mais espaço nos projetos do que nas escolas.

O compositor Felipe Doro, 43, é integrante do Samba da Vela e do Samba de Todos os Tempos. O representante de vendas de torneiras Duratex conta que escreve sambas há vinte anos. Felipe já mandou enredos para a Escolas de Samba X-9 Paulistana, mas nunca conseguiu levar um trabalho para Avenida.

A maior parte dos compositores dos projetos do samba paulistano já compôs em Escola de Samba, mas hoje escreve apenas para as rodas que privilegiam o samba tradicional. Um ponto comum entre estes poetas é que tentam integrar os projetos. E o sambista Chapinha é um exemplo: “A nossa relação com as outras comunidades é a melhor possível. Eu, por exemplo, sou padrinho do Samba da Laje, do Cafofo e do projeto da Vai-Vai. Estou sempre nas comunidades incentivando, é disso que eu gosto, não tem jeito”. Durante as rodas de samba, tocam músicas do outros projetos.

Paquera, um dos fundadores do Samba da Vela e também fundador do Mutirão do Samba – o primeiro dos projetos na cidade de São Paulo –, já fez parte da Escola Vai-Vai e se afastou quando percebeu que as escolas já não cumpriam o mesmo papel que antigamente. “Quando a televisão passou a influenciar nas escolas, tudo se perdeu. A Rainha da Bateria, por exemplo, que era uma mulher da comunidade, que era admirada pela comunidade, hoje passou a ser uma mulher da mídia, que dá audiência para televisão e que gringo gosta de ver. Isso que virou o carnaval na escola de samba, um mercado como todos os outros”. Além disso, quando questionado se havia espaço para novos compositores dentro das escolas, Paquera respondeu “Se existe eu não sei, o que eu sei é que existe uma imensa fábrica de samba enredo. Mas pela minha experiência o que existe é uma fábrica que os diretores previamente já apontam para o compositor como tem que ser o samba e o que tem que fazer, o que significa que o compositor que sai da comunidade, não vai ganhar o samba, como vemos há anos”. E ainda lembra sobre o carnaval: “o sambódromo é o túmulo do carnaval”.

Mercantilização e Industria Cultural

Com o crescimento da indústria cultural, a arte e a cultura vêm passando por um processo de padronização, tornando-se, assim como todas as outras coisas, um produto. Assim, como todos os outros Gêneros o samba que está hoje na grande mídia é o protótipo do produto industrializado. Então, ele obedece a um formato que é ditado nas reuniões de marketing das gravadoras ou até mesmo pelos patrocinadores nas escolas de samba. “Pagode” é um termo que está presente na linguagem musical brasileira desde, pelo menos, o século XIX.

Nos anos 80 tomou corpo, no Rio de Janeiro, uma forma moderna e inovadora de fazer samba que ganhou o nome de “pagode”. Na década seguinte, a indústria do lazer usurpou esse termo, batizando com ele uma forma absolutamente diluída e pasteurizada que guarda poucos elementos do samba inovador dos anos 80. Os fatores históricos, então, que propiciaram o surgimento e o boom do que hoje se chama de “pagode” foram fatores puramente mercadológicos: “a indústria do disco resolveu vender um samba que não fosse negro nem branco; que explorasse a sensualidade; que não fizesse pensar; e aí injetou muitos milhões no marketing desse tipo de produto”, como coloca um dos grandes sambistas e pesquisador do samba, Nei Lopes.

O exemplo mais triste disso aconteceu esse ano. Angenor de Oliveira, o Cartola, grande nome do samba, completaria 100 em 2008. A Estação Primeira de Mangueira, escola que ele ajudou a fundar, infelizmente, no ano de seu centenário, optou por não homenageá-lo. Simplesmente, Cartola passou em branco. Isso é apenas mais um reflexo da mercantilização do samba, que neste caso, a Escola preferiu tratar de temas que fossem dar mais repercussão, mais lucro, a prestar uma homenagem a alguém tão importante quanto Cartola.

O samba é a bola da vez

Recentemente o samba mais antigo passou a ocupar um maior espaço na grande mídia, e da mesma forma houve um aumento do número de pessoas que passaram a frequentar as rodas de samba mais tradicionais.

É importante refletir sobre este fato, já que o samba sempre pertenceu a cultura popular e hoje vem frequentando lugares em que até pouco tempo ele era hostilizado.

Um elemento importante para esse “boom” do samba tradicional é a força dos projetos de samba, como é o caso do Nosso Samba de Osasco, Cupinzeiro de Campinas, Samba da Vela, entre outros. Esses projetos são fundamentais para a sustentação do ritmo, já que de fato fazem um resgate e dão continuidade a ele.

Os projetos cumprem o papel que em outros tempos era desempenhado pelas Escolas de Samba, nas quais grandes sambistas e grandes sambas tiveram origem. Havia espaço nas Escolas, através das Alas de Compositores, para novas composições, seja o samba de quadra, de terreiro e também o de enredo. Inclusive, nas décadas passadas, os sambas enredo possuíam uma qualidade superior a que tem hoje. Entendemos, que essa perda de qualidade está ligada ao processo de “aceleramento” pelo qual passou a pulsação do samba. Às custas de sua harmonia, seus intérpretes, suas baterias e seus batuqueiros, as Escolas passam cada vez mais rápido pela avenida para poder mostrar mais celebridades e insinuando a mercantilização da maior festa popular do Brasil.

De uma forma ou de outra, a força dos projetos respinga no grande público e até mesmo na mídia burguesa, que de nenhuma forma pretende resgatar esse importante elemento da cultura popular, mas sim aumentar seu ibope e enriquecer às custas dos sambistas.

Mas se por um lado temos a presença dos projetos como um alicerce para a preservação do samba tradicional, por outro lado vemos a classe média e a pequena burguesia “abraçando” essa bandeira.

Exemplos para isso temos vários. Aqui poderíamos citar a proliferação do samba em bairros de alto poder aquisitivo, como a Vila Madalena em São Paulo, onde 90% dos bares reservam algumas de suas noites ao samba. Outro fato que vale como exemplo, foi o último CD de Marisa Monte, todo dedicado ao samba, ou mesmo o novo CD da cantora Maria Rita, todo ele dedicado ao samba, e também a parceria de Arnaldo Antunes e Paulinho da Viola.

E tudo isso vem acontecendo por um motivo específico. A classe média e a pequena burguesia não possuem um projeto de sociedade, como o tem a burguesia e os trabalhadores. Logo não possuem uma cultura própria, e por isso hora se apropriam da cultura da classe trabalhadora, hora da cultura burguesa...e a “bola da vez” é o samba.

Bar do Alemão, parada obrigatória.




Desde que a batucada desceu o morro, os botecos e botequins são paradas obrigatórias para cantar, compor e discutir música e cultura de um modo geral. Como falou Antônio Candido, a música popular brasileira tornou-se o “pão nosso cotidiano da cultura nacional”. O samba foi o recheio e muitas vezes inspiração de quase todos os movimentos culturais da nossa terra carnavalesca e o Bar do Alemão, reduto desses encontros e palco de muitas parcerias e novas composições.

Se no Rio de Janeiro o ponto de encontro do samba era o bairro de São Cristóvão, em São Paulo todos se encontravam invariavelmente no Bar do Alemão. Localizado na Avenida Antártica, na Barra Funda, o bar é uma casa pequena, porém aconchegante e com muita história pra contar. Fundado em 1968, o local tem sido ao longo de todo esse tempo parada obrigatória para jornalistas, músicos e artistas. No início, o dono era Murilo, que depois das oito, fechava o bar para estranhos e só os fregueses entravam. O Dagô do Pandeiro, segundo proprietário, apesar de ser muito preocupado com o faturamento, não abandonou a música e trouxe Nelson Cavaquinho para a casa. O Bar do Alemão sempre reuniu a nata do samba carioca – Cartola, Clara Nunes, Toquinho, Vinícius, Paulinho da Viola, Paulo César Pinheiro (esse praticamente “nasceu” ali) – com a mais jovem geração dos compositores paulistas.

Há 15 anos, o bar tem dois sócios: Flávio Chaves e Eduardo Gudin, que além de dono também é sambista. Ambos freqüentavam o bar desde o início e resolveram tomar a dianteira do negócio em 1995, quando o dono anterior havia falecido. “Antigamente, o cara vinha tocar a noite inteira com o maior prazer e ganhava um guaraná. A coisa era mais pura. Hoje, contratamos o pessoal para tocar e pagamos os músicos”, revela Flávio a respeito das maiores diferenças entre as duas épocas. Como os tempos mudaram, basta escolher qualquer dia da semana para apreciar a boa música – cada dia é um estilo diferente – e pagar o “couvert artístico”.